sábado, 27 de fevereiro de 2016

Entrevista - Baz Dreisinger : "Presídios são obsoletos e só agravam a violência"


Após lecionar no sistema prisional dos Estados Unidos por mais de dez anos e estudar uma dúzia de prisões ao redor do mundo, a jornalista Baz Dreisinger chegou a uma conclusão peremptória: o modelo de prisões mundial foi exportado pelos EUA e não só é ultrapassado como agrava a violência.
Os resultados de seus estudos estão compilados no livro Incarceration Nations: A Journey to Justice in Prisons Around the World, publicado em fevereiro deste ano, ainda sem tradução para o português. Nele, Dreisinger examina, dentre outros fatores, os efeitos do encarceramento em massa e as prisões de segurança super-máxima, ou “supermaxes”, em que os presos chegam a ficar isolados 23 horas por dia em suas celas.
Os EUA ensaiam reverter essas políticas, enquanto em outros países, Brasil incluído, elas continuam a vigorar cada vez mais intensamente.
CartaCapital: Após as pesquisas, o que constatou sobre a eficiência de prisões de segurança super-máxima, ou “supermaxes”?
Baz Dreisinger: Não acredito em prisões como resposta exclusiva ou primária para o crime, trata-se de um modelo obsoleto. Gosto de pensar que em cem anos vamos enxergar as prisões como uma forma chocante de punição que não trouxe segurança  e só causou mais danos à população.
Precisamos usar a inteligência contra o crime e não mais violência. Precisamos fazer com que, em primeiro lugar, um indivíduo não vá parar na prisão.
CC: O Brasil foi um dos países que importou o modelo de “supermax” dos EUA. A primeira prisão nestes moldes foi construída em Catanduva, no Paraná, onde a senhora esteve duas vezes entre 2013 e 2014. Como descreveria a situação dos presidiários?
BD: Pura tortura psicológica. O confinamento em solitárias é inacreditavelmente intenso. O que vi e conversei com os prisioneiros é que psicologicamente são torturados por ficarem tantas horas sozinhos por dia, há anos sem ver a família. Isso prejudica a saúde mental deles. Minha visita ao Brasil é um dos capítulos mais sombrios do livro justamente por causa dos horrores do confinamento em solitárias. É perigoso para seres humanos, é cruel.
CC: A senhora diria que reabilitação social reduz a reincidência criminal? Esse tipo de prisão contribui para isso?
BD: Sem dúvidas, mas as “supermaxes” são o extremo oposto da reabilitação, por produzir tensão psicológica, o que leva à produção de mais crimes. A maioria dos presos com quem conversei não tiveram oportunidades de se reabilitar socialmente. Se quisermos fazer isso, precisamos criar espaços saudáveis no qual eles aprendam, cresçam e estejam perto da família.
CC: Qual a origem das prisões de segurança super-máxima e como elas se espalharam pelo mundo?
BD: Os EUA criaram este modelo em 1983 e foi aplicado primeiramente em Marion, Illinois. Em 1994, foi inaugurada a ADX Florence no Colorado, prisão que representa o auge das “supermaxes”, na qual um homem ficou 32 anos confinado, praticamente sem contato humano.
A forma como o modelo foi reproduzido por outros países ainda precisa ser estudada, mas não difere muito de como outras táticas de correção se propagam, com grupos visitando outros países para conhecer suas políticas. E, influentes, as práticas americanas têm uma tendência a se alastrar rapidamente.
Baz-Dreisinger
Para Dreisinger, a maioridade penal não deveria ser
 reduzida em lugar algum (Foto: Acervo pessoal)
CC: O Brasil também importou dos EUA o modelo de encarceramento em massa. Nosso País é responsável pela quarta maior população prisional do mundo. Por que muitos governos defendem essa prática?
BD: Há dois motivos principais. O primeiro: há um senso de que como usamos essa tática há décadas, ela deve continuar a ser usada e de forma cada vez mais intensa, ao invés de pensarmos em outras soluções. 
O segundo: falar sobre combater o crime “com todas as forças” e prender todo mundo é uma política pública popular, fácil de vender para o público como solução imediata para melhorar a segurança.
Acobertam-se os fatos sobre não haver correlação entre o encarceramento em massa  e a redução da criminalidade. A consequência é que devastamos comunidades, destruímos famílias e afetamos desproporcionalmente minorias, pois pobres e negros são os principais alvos.
CC: Nos EUA, Barack Obama tem reduzido os confinamentos em solitárias, e tanto osDemocratas quanto os Republicanos questionam o encarceramento em massa. O que tem motivado essa discussão?
BD: A discussão sobre a reforma penitenciária  tem sido mais popular do que jamais imaginamos. Gostaria de dizer que a motivação é uma genuína preocupação com o racismo, a desigualdade e a morosidade da Justiça, mas o motivo é mais econômico. Há uma percepção de que as prisões custam caro e não podem continuar a crescer.
Preocupa que o argumento seja meramente financeiro, pois podem achar outro meio de fazer algo na mesma linha, de forma mais barata e fácil, sem debater a ética, igualdade e o legado destas questões.
CC: No caso brasileiro, 27% de nossos prisioneiros está ligada ao tráfico de entorpecentes. É possível estabelecer uma relação entre encarceramento em massa e a “guerra às drogas”?
BD: O encarceramento em massa está diretamente ligado à "guerra às drogas" , é algo que de forma deliberada instituíram como solução, mas que nunca reduziu a violência.
Mais uma vez, só atinge desproporcionalmente certas minorias e, globalmente, os EUA também exportaram a “guerra às drogas” para outros países que, em resposta, endureceram suas políticas contra o narcotráfico e o consumo. Não podemos pensar as práticas americanas em um vácuo, porque elas podem reverberar pelo mundo todo.
Presídio
As “supermaxes” são o extremo oposto da reabilitação e
 podem levar à produção de mais crimes 
CC: Os brasileiros agora estão discutindo a redução da maioridade penal. Você tem uma opinião sobre isso?
BD: Dezoito é uma idade extremamente vulnerável. Nova Iorque é um dos dois estados que pode julgar jovens de dezesseis anos como adultos, e vi em primeira mão o horror que causa colocar um jovem em uma prisão para adultos. Eles se tornam mais violentos.
É preciso levar em conta, além de tudo, que os jovens nessa idade ainda não estão funcionando com a mesma capacidade cerebral que os adultos. A maioridade penal não deveria ser reduzida em lugar algum.
CC: Quais podem ser algumas alternativas às “supermaxes”?
BD: Há estudos sobre sistemas menores que podem colocar presos que estão causando problemas em unidades especiais, com reabilitação extra e mais controle sobre seu entorno.
Tem um exemplo desses no Reino Unido, em que prisioneiros mais perigosos têm recebido mais controle sobre sua agenda, sobre seu entorno. Isso reabilitou esses presos melhor do que quando estavam isolados e sem acesso a programas e oportunidades.
Carta Capital

sábado, 20 de fevereiro de 2016

A meritocracia hereditária das capitanias modernas


Em 1534, Dom João III, então Rei de Portugal, criou um sistema de administração territorial no período de colonização do Brasil. Esse sistema consistia em dividir o território brasileiro em grandes faixas de terra e delegar a administração de cada uma delas, a famílias consideradas nobres pela coroa portuguesa. A esse sistema deu-se o nome de capitanias hereditárias. Qualquer livro de história vai nos dizer que este sistema foi extinto em 1759, pelo Marquês de Pombal, mas há controvérsias. Como diria Pedro Pedreira, personagem da escolinha do Professor Raimundo: “Me convença”.
Nunca se falou tanto em meritocracia como nos dias atuais, principalmente quando os segmentos mais conservadores da elite, em sua boa parte composto por abençoados hereditariamente pelo sistema de capitanias criado por Dom João III, quer combater a política de inclusão social implantada pelo governo atual. Eles já se deram conta de que o povo está mais consciente dos seus direitos e agora também quer um lugar a sombra. Eles sobem, eles descem, eles dão uma rodada. Ah! Como eles ficam descontrolados. Tudo que se faz para diminuir a desigualdade social eles criticam. Não pode dar um peixe a uma criança que está morrendo de fome, é preciso ensiná-la a pescar. Ainda que ela sequer saiba andar. Não pode criar cotas para os mais pobres nas universidades, eles devem conquistar o acesso por mérito. 
Não pode empregar o filho como chefe de gabinete do estado, sem que esse tenha experiência, conhecimento e acima de tudo méritos para exercer tal função. Não! Espera aí! Isso pode. Aliás, não só pode como deve. São ordens do Rei de Portugal. Mas isso só vale para quem teve a sorte de nascer descendente de colonizador ou sob a proteção do nosso coronelismo político. João Campos, 22 anos, filho do ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, é o novo chefe de gabinete daquele estado. Curiosamente ele irá exercer a mesma função que o seu falecido pai assumiu em 1987, admitido pelo avô, Miguel Arraes, na época Governador de Pernambuco. Oh, sorte! 
João Campos não tem experiência nenhuma em cargos públicos, assim como o seu pai Eduardo também não tinha quando foi nomeado pelo avô. Acredito que o rapaz nunca tenha trabalhado na vida ou jamais lavado as próprias sungas com algum mérito. Mas o seu sobrenome e a sua meritocracia hereditária, o credencia ao cargo. Lembrando que a capitania de Pernambuco era uma das 13 criadas pelo Rei de Portugal. Chega a ser um escárnio. O salário do novo coronelzinho, digo, do novo chefe de gabinete do estado será de R$ 7.787,43. Nada mal para um jovem aprendiz.  Jovem esse que em pouco tempo será eleito Governador e anos depois irá se candidatar a presidência da república. E se o avião não cair ele chega pelo menos ao 2º turno. ´
Poderia citar outros exemplos de políticos que empregam ou elegem seus filhos, depois seus netos, depois seus bisnetos, usando do nome ou da popularidade que já possui. Aparecem na televisão ao lado do seu pupilo e com a cara mais lavada do mundo pede ao eleitor que vote nele porque ele é seu filho. Será que esses figurões da política não deveria ensinar os seus filhos a pescar os eleitores? Quer dizer, a fazer a campanha e conquistar votos com os seus próprios argumentos? E ainda assim, após eleitos, os menudos adotam o mesmo discurso hipócrita hereditário, que louva a meritocracia. A família Bolsonaro é um exemplo. Se os filhos não fossem crias do Capitão fanfarrão, marqueteiro e falador, que é o patriarca da família, alguém acha que eles teriam votos suficientes para se eleger? No entanto, o nobre deputado Jair Bolsonaro é um defensor ferrenho da meritocracia e combatente mais ferrenho ainda da política de inclusão social do governo. Mais hipócrita impossível.
O que fica claro ao entendimento de quem quiser enxergar, é que a regra é clara, mas não deve ser aplicada a todos. Me faz lembrar uma frase que é atribuída a Getúlio Vargas, mas cujo autor não se sabe ao certo quem é, e que diz: “Aos amigos tudo, aos inimigos os rigores da lei”. É assim que o coronelismo se perpetua em nossa sociedade. Não preciso dizer que os inimigos a que se refere à frase é o povo, principalmente os mais necessitados. A eles sempre é aplicada a lei de maneira mais rigorosa. A ordem dos donos das capitanias é não permitir que eles se aproximem, o que já era uma preocupação de Dom João III, evitando assim uma possível invasão de seu território. A meritocracia fascista tão cantada em verso e prosa nos dias de hoje, nada mais é que uma forma de fazer com que o povo acredite que as oportunidades são iguais para todos e quem não consegue se estabelecer é por que não tem competência.
Quantos têm a oportunidade de estrear no mercado de trabalho como chefe de gabinete do estado e ganhando mais de sete mil reais de salário? Quantos têm a oportunidade de se eleger deputado porque os eleitores do papai votaram nele? Será que todos nós partimos do mesmo ponto? Os que mais atacam as políticas de inclusão social são os herdeiros das capitanias. Logo eles que têm acesso as melhores oportunidades graças a uma política elitista e seletiva da qual eles não querem abrir mão. Logo eles que abominam o conceito de igualdade social entre as pessoas. Logo eles que acham um absurdo o pobre ter acesso às mesmas coisas que eles. Logo eles que gostam de estabelecer limites sociais para as pessoas que não sejam herdeiras da coroa real. Logo eles que usam a cor da pele como quesito eliminatório num processo de inclusão.
Vamos dar um tempo nessa hipocrisia! Não adianta dar a vara e ensinar a pescar, se quando o pobre joga o anzol só pega peixe pequeno, porque os graúdos já foram fisgados e entregues aos que se julgam donos do rio. E o pobre fica a pensar que a sua isca não foi atrativa o suficiente para ele garantir um bom peixe.  Isso é covardia! Chego à conclusão que para essa elite deixar de ser cara de pau com tanto mérito, não basta dar o coquinho, tem que ensiná-los a ir catar.
Viva, Dom João III!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Programa irá garantir Wi-Fi gratuito e videomonitoramento em Nova Andradina


Prefeito Roberto Hashioka destacou ação como forma de promover a cidadania digital e mais segurança à população
A Prefeitura de Nova Andradina, por meio da Secretaria Municipal de Finanças e Gestão, confirmou a implantação do projeto “Internet para Todos”, lançado pelo prefeito Roberto Hashioka. A iniciativa é desenvolvida pelo Departamento de Tecnologia da Informação e visa promover a cidadania digital.

Entre os pontos de Wi-Fi livre já em funcionamento estão as praças Geraldo Mattos Lima e Queneciano Cecílio de Lima, além da Agência Municipal de Habitação (AgehNova), Secretaria Municipal de Serviços Públicos (Semusp) e Ginásio Municipal de Esportes Irmão Bras Sinigáglia.

“O nosso intuito ao instituir esse programa foi o de democratizar o acesso à internet, facilitando a utilização dos serviços on-line para o cidadão e elevando Nova Andradina ao patamar de Cidade Digital. Nosso projeto oferece diversos pontos de acesso Wi-Fi e, em breve, será estendido para mais regiões”, ressaltou o prefeito Roberto Hashioka.

De acordo com o secretário de Finanças e Gestão, Arion Aislan, o programa prevê três fases de implantação. “A primeira foi concluída quando o prédio do novo Paço foi inaugurado. As próximas etapas preveem a cobertura nas unidades de saúde, centros de referência, escolas municipais e praças públicas. Todas com sinal Wi-Fi”, afirmou.

Como funciona

Uma vez instalados os pontos de acesso nos locais definidos, qualquer dispositivo móvel compatível com Wi-Fi dentro do raio de alcance receberá o sinal gratuitamente. O usuário poderá se conectar usando Smartphones, Tablets, NetBooks, Notebooks ou outros dispositivos com capacidade Wi-Fi.

O usuário deverá procurar o Setor de Protocolo Central no Paço Municipal para preenchimento do formulário de cadastro e assinatura do termo de compromisso. Quando estiver em uma região coberta pelo sinal, deverá selecionar a rede Wi_Fi_Livre_PMNA com usuário e senha para autenticação.

Mais segurança, videomonitoramento e economia
O formulário e o regulamento do programa “Internet para Todos” está disponível no site da Prefeitura (www.pmna.ms.gov.br/dados-gerais). “Além de promover a cidadania digital, essa iniciativa visa ser um braço de apoio às forças de segurança, que passarão a contar com mais essa parceria do poder público municipal”, afirmou Arion Aislan.

Ainda de acordo com o secretário de Finanças e Gestão, por determinação do prefeito Roberto Hashioka, o pacote de investimentos inclui a instalação de câmeras de videomonitoramento em pontos considerados estratégicos, como as entradas e saídas da cidade, semáforos e órgãos públicos.

“Este projeto é uma extensão do programa e já está em fase de implementação. Trata-se de um investimento em alta tecnologia, com câmeras de 360 graus. A partir desta ação, temos como meta contribuir de forma efetiva no combate à criminalidade, além de auxiliar, consequentemente, a administração pública”, completou Arion Aislan.

Outra iniciativa já em andamento pelo Governo Municipal é a instalação do programa Discagem Direta à Ramal. “Qualquer órgão da administração pública municipal poderá, sem custos, manter contato telefônico entre si, mesmo que estejam em outra estrutura física, gerando uma economia aproximada de R$ 20 mil por mês”, concluiu o secretário.

Quatro mitos sobre o "cidadão de bem armado"

              Protesto durante debate na Comissão Especial de Desarmamento da Câmara
O Brasil possui o maior número de homicídios perpetrados com o uso de armas de fogo do mundo. Esta situação não é fruto do acaso, mas ocorreu como consequência de inúmeros fatores, entre os quais da corrida armamentista nacional dos anos 80 e 90. Apesar das dificuldades relacionadas à confiabilidade dos bancos de dados e registros, um levantamento feito em 2010 revelou que aproximadamente 17,6 milhões de armas leves circulavam no País, dentre as quais 57% seriam ilegais. 
De fato, a proliferação das armas se deu ao mesmo tempo em que se verificou um crescimento acelerado da taxa de homicídio por arma de fogo. Enquanto em 1980 de cada 100 pessoas assassinadas 44 eram vitimadas por armas de fogo, em 2003, nas vésperas da sanção do Estatuto do Desarmamento (ED), esse número já era de 77, diminuindo para 75 nos anos subsequentes. Em países como a Inglaterra e a Espanha tal proporção gira na ordem de 7 e 14 vítimas, respectivamente.
Portanto, a tese do “cidadão de bem armado” como solução para a coibição de crimes já foi experimentada no Brasil. Ao invés de segurança, a sociedade só colheu mais violência, mais crimes e mais tragédias.
Ainda assim, há hoje na Câmara dos Deputados um perigoso movimento para revogar o Estatuto do Desarmamento, que flexibiliza os critérios para a posse e porte de armas de fogo e que, em linhas gerais, possibilita que todo indivíduo com mais de 21 anos de idade (inclusive aqueles que estejam sendo processados judicialmente por homicídios) possa adquirir até seis armas de fogo e portá-las nas vias públicas.

É preciso ressaltar que tal iniciativa vai na contramão do consenso das evidências científicas nacionais e internacionais. Elas mostram que mais armas causam mais crimes. Abaixo apresentamos quatro mitos que vêm sendo usados pelos defensores do fim do Estatuto para legitimar o desatino em curso.
Mito 1: O cidadão armado provê maior segurança à sua família 

As pesquisas baseadas em evidências empíricas seguem no sentido oposto. A disponibilidade de armas em casa faz aumentar o risco de suicídioacidente e homicídio entre os familiares e não inibe a ação do criminoso profissional (que conta com o fator surpresa). Uma boa ilustração desses achados científicos pode ser obtida pela pesquisa do professor David Hemenway, da Universidade de Harvard, que entrevistou cerca de 300 cientistas, autores de artigos nas revistas especializadas em criminologia. O que ele encontrou?  
Enquanto 72% dos estudiosos afirmavam que a disponibilidade de armas no domicílio faz aumentar o risco de uma mulher residente ser vítima de homicídio (contra 11% que discordavam), 64% dos especialistas disseram que a arma dentro de casa torna o lugar mais perigoso do que mais seguro (contra 5%). Ainda, 73% dos entrevistados concordaram que a arma não é um instrumento efetivo para a autodefesa, ao passo que 8% discordaram. 
Mito 2: A regulação mais restritiva de acesso às armas de fogo não é importante, uma vez que as armas dos bandidos entram ilegalmente pelas fronteiras.

Ainda que muitas armas entrem ilegalmente no país (sobretudo os fuzis e rifles), pesquisas no Rio de Janeiro e São Paulo mostraram que cerca de 75% das armas utilizadas no crime apreendidas pela polícia são pistolas e revólveres fabricados no Brasil. Uma pesquisa recente do Ministério Público de São Paulo com o Instituto Sou da Paz mostrou que 38% das armas envolvidas em crimes fatais e apreendidas com criminosos, além de serem de procedência nacional, eram armas registradas por brasileiros que haviam sido desviadas para a ilegalidade.
Ou seja, inúmeras vezes, as armas envolvidas nos assassinatos que destruíram famílias foram compradas legalmente por outros cidadãos que pensavam em se defender.

Mito 3: O cidadão de bem armado irá dissuadir o criminoso, fazendo com que o número de crimes e de homicídios diminua
Este é um debate que chamou a atenção de muitos estudiosos nos EUA, sobretudo a partir de 1987, quando uma nova legislação menos restritiva passou a ser implementada em vários estados americanos. Pesquisadores de muitas universidades, incluindo de Harvard e Chicago, acumularam evidências comprovando que a flexibilização do acesso e posse de armas está associada ao aumento de homicídiosroubos e invasões a residências
Uma das principais razões que associam o aumento do número de mortes à proliferação das armas em circulação é o alto número de mortes ocasionadas por motivos banais, em brigas familiares, entre vizinhos, e no trânsito.
Um estudo feito pelo Conselho Nacional do Ministério Público revelou que, entre 2011 e 2012, 83,03% dos homicídios esclarecidos no Estado de São Paulo foram cometidos por motivos fúteis. Três teses de doutorado – da Puc-Rio, da FGV e da USP – mostraram que a proliferação das armas de fogo faz aumentar os homicídios, mas não tem efeito para fazer diminuir os crimes contra o patrimônio. 
Mito 4: O ED não evitou o crescimento da violência armada no Brasil
O número de homicídios, que cresceu 8,4% a cada ano entre 1980 e 2003, pela primeira vez sofreu uma redução nos anos posteriores ao ED. Na média, entre 2004 e 2013 o número de vítimas aumentou num ritmo bem inferior ao que vinha acontecendo anteriormente, de 0,5% a cada ano.
Um estudo da PUC do Rio de Janeiro mostrou que o ED contribuiu para a diminuição de 12% dos homicídios, entre 2004 e 2007. Outro estudo de pesquisadores do IESP/UERJ e do Ipea apresentou evidências de que se o ED não tivesse sido implementado, cerca de 121 mil pessoas teriam morrido a mais entre 2004 e 2014.

O controle responsável das armas de fogo não é uma panaceia para resolver todos os males da insegurança pública no Brasil. A maior efetividade das organizações do sistema de justiça criminal no sentido de reduzir a impunidade, bem como a implementação de uma agenda preventiva focalizada na educação e criação de oportunidades para que as crianças e os jovens de hoje não sejam os criminosos de amanhã são outros elementos cruciais.
Porém, não podemos permitir retrocessos nesta agenda: quanto menos armas de fogo em circulação no País, mais mortes e outros crimes serão evitados.
*Robert Muggah é diretor de Pesquisas do Instituto Igarapé e Daniel Cerqueira é ex-diretor da Diretoria de Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Lula: Matar o mito para encerrar o ciclo


Quando Juscelino Kubitscheck morreu, em 1976, viu-se que deixou uma fazendinha em Luziânia e um apartamento no Rio de Janeiro. E, no entanto, nos anos que se seguiram ao golpe de 1964, a ditadura forjou a lenda de que fora cassado porque era corrupto e roubara muito durante a construção de Brasília. JK foi cassado porque era o mito eleitoral e político daquele tempo, o candidato mais forte às eleições presidenciais que estavam marcadas para 1965. O triunfo da nova ordem política erigida pelos militares exigia a destruição do mito JK, o presidente que mudara a face do Brasil acelerando a industrialização e interiorizando a capital. Mataram o mito. Depois, o pleito de 1965 foi desmarcado e os brasileiros só votaram novamente para presidente em 1989. Para visitar a cidade que criara, ele vinha a jantares clandestinos organizados pela amiga Vera Brant.
Na segunda morte de JK, a morte física em 1976, estudantes, candangos e centenas de brasilienses acompanharam o féretro da Catedral até o cemitério Campo da Esperança cantando o "peixe vivo" e gritando "abaixo a ditadura". Foi a primeira grande manifestação política de que participei.
Antes de JK, a caçada a outro mito também relacionado a mudanças sociais e econômicas de viés popular, havia terminado com o suicídio de Getúlio Vargas, que com o tiro no peito adiou em dez anos o golpe de 1964.
Há uma clara semelhança entre o assassinato político de JK pela ditadura e a caçada Lula para abrir caminho a uma troca de guarda no poder. Para colocar um fim à ordem política instaurada pelo PT com a chegada de Lula à presidência em 2002 é preciso acabar não apenas com a ideia de que os governos petistas promoveram os mais pobres à cidadania, reduziram a desigualdade, resgataram milhões da miséria e mitigaram, com políticas afirmativas a nossa dívida histórica para com os negros e afrodescendentes. É preciso apagar a ideia de que a Era Lula produziu um invejável ciclo de crescimento e instaurou, com Celso Amorim, uma política externa altiva que garantiu ao Brasil uma projeção internacional sem precedentes. Não basta também apenas a desqualificação eleitoral do próprio PT, por erros cometidos e por erros que são do sistema político. É preciso destruir o mito projetado por estas mudanças, o mito Lula.
Em janeiro, afastada das lides diárias do jornalismo, acompanhei de longe a abertura da temporada de caça a Lula. O que se prenunciava desde o início do ano ficou claro em 27 de janeiro com a Operação Triplo X, que a pretexto de investigar lavagem de dinheiro pela OAS através da venda de apartamentos no Edifício Solaris, mirou Lula e o tríplex que ele cogitou comprar mas nunca adquiriu. De lá para cá os caçadores se espalharam e se armaram, obtendo agora do juiz Sergio Moro a autorização para abrir um inquérito específico destinado a investigar se as empreiteiras beneficiaram Lula ilegalmente através de obras num sítio de amigos de sua família.
Se Lula não tem um tríplex, o crime estará em ter pensando em possuí-lo? Há muitos meses eu o ouvi contar a amigos o que dissera a sua mulher Marisa para que desistissem do apartamento e resgatassem o valor da cota já pago. "Marisa, eles nunca vão nos aceitar como vizinhos num prédio como aquele. Não vão querer andar de elevador com a gente. Vamos desistir disso antes que comecem os aborrecimentos". Era tarde, vieram mais que aborrecimentos. Vieram acusações difusas, sem forma clara, sem fundamentos sólidos mas corrosivas para o mito. O "tríplex do Lula" passou a existir no imaginário popular, embora não exista na escritura.
Agora, com o novo inquérito, querem provar que o sítio de Atibaia não é de seus donos, mas de Lula. E que empreiteiras investigadas pela Lava Jato investiram nele numa forma indireta de pagar propina ao ex-presidente. É isso que querem provar, embora não digam. Mas no imaginário popular a narrativa já colou. Outra ferida no mito.
Feri-lo porém não basta. A destruição de um mito exige mais, exige sua completa humilhação, exige a retirada de toda e qualquer aura de veneração e respeito. Para isso será preciso processar, condenar, trucidar. Será preciso prender Lula. É a este ponto que desejam chegar os caçadores de Lula, para que nada reste da admiração pelo presidente que saiu da miséria extrema do Nordeste, tornou-se operário, liderou greves, fundou um partido, aceitou as derrotas e um dia venceu a eleição presidencial, tornando-se o presidente brasileiro mais popular internamente e o mais conhecido e respeitado lá fora. "O cara", como disse Obama, precisa ser reduzido a pó.
Lula talvez tenha subestimado a sanha dos caçadores e se atrasado na defesa. Certamente cometeu alguns erros na estratégia de defesa. Do PT combalido, pouco pode esperar. Mas certamente algo ainda espera dos que ainda acreditam nele. Se planeja em algum momento denunciar à sua base política e social a natureza política da caçada que enfrenta, o momento chegou. A hora é de crise para todos e isso não favorece reações populares. Mas ainda que seja como prestação de contas aos que o levaram à glória e assistem à sua destruição sem ouvir um chamado, Lula precisa fazê-lo.
Autora: Tereza Cruvinel
 Tereza Cruvinel é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
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