quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

É a política, estúpido:


A história recente do Brasil é marcada, com alguns recuos, por tentativas de ampliar a democracia formal, sempre contrabalançada por práticas de contenção da participação popular. A ideia é criar uma democracia sem povo.
Após 1945, a democracia finalmente chegou ao Brasil. É nesse período que ganham força dois projetos antagônicos: o desenvolvimentista e o liberal. Enquanto o primeiro parecia levar vantagem nas urnas, o segundo se entrincheirava nos meios de comunicação.
A UDN, partido que representava os liberais, tinha dinheiro, muita influência na mídia e uma base social sólida. Porém, convivia com um dilema. O partido era visto como elitista. Antipovo. Essa é uma contradição entre o liberalismo político e econômico. Enquanto o primeiro em tese defenderia a soberania popular, o segundo propõe reformas impopulares.
Não se elege um presidente apenas apelando para uma classe social. O discurso liberal tinha pouca aceitação entre os trabalhadores, pois esses entendiam que a CLT era o que os protegia das oscilações do mercado e das arbitrariedades dos mais poderosos.
Como, então, defender o liberalismo e ao mesmo tempo ser popular? Tarefa difícil. Nas eleições de 1945, por exemplo, após uma fala infeliz do candidato Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), o PTB lançou a campanha “marmiteiro” não vota e “grã-fino”. Referência ao elitismo do militar, que havia dito num comício que desprezava o voto dos getulistas, uma “malta de desocupados”.
Na impossibilidade do liberalismo seduzir grande parte da opinião pública, num país tão desigual quanto o Brasil, a estratégia emprega pela direita, para impor a sua agenda, pode ser representada por um tripé: 1) apego à moralidade, 2) discurso catastrófico, 3) golpe de Estado.
Os jornais manipulavam de modo seletivo os casos de corrupção, com o objetivo a deslegitimar certas agendas. Um exemplo, que voltou a ser lembrado recentemente, foi o apartamento em Ipanema, na Vieira Soto, que os jornais acusaram Juscelino Kubistchek de ser o proprietário e o de ter colocado no nome de um amigo para ocultar esse patrimônio.
Por que discutir a importância estratégica da Petrobrás? Melhor acusá-la de balcão de negócios. As histórias dos escândalos de corrupção acompanham, de forma impressionante, a estruturação de um projeto nacional autônomo.
Além do já mencionado Juscelino Kubistchek, Getúlio Vargas e João Goulart também sofreram com o cerco moralista. A oposição, diziam, não passaria de populistas demagogos, que querem comprar o apoio das camadas desfavorecidas com benesses quiméricas. O objetivo deles, contudo, seria se perpetuar no poder e usá-lo em benefício próprio. O desfecho lógico desse raciocínio é simples: se um grupo compra o apoio de uma massa de ignorantes, não existe vontade popular. No limite, justifica-se até um golpe militar.
Esses são os mecanismos criados para conter a democracia no Brasil. Por isso, somos um país que fica dividido ante a qualquer possibilidade de reformas sociais.
Na época da Guerra Fria, os teóricos americanos desenvolveram uma teoria conhecida como “dominó”. Diziam que qualquer país no mundo que se tornasse comunista poderia influenciar o seu entorno e provocar um “efeito dominó”, ou seja, entusiasmar outras nações a seguirem o mesmo caminho. Por isso as tropas americanas eram usados para combater em países que eles nem sabiam localizar no mapa.
Podemos usar esse pensamento no caso brasileiro. Se o povo deve ser mantido afastado da política, é preciso destruir qualquer esperança reformista, ainda que nascente. Ainda que moderada.
Se a população perceber que a atividade política tem o poder de transformar a sua realidade, ela pode tomar gosto pelo tema e seria quase impossível frear as mudanças. Por isso, a criminalização da política, as generalizações e a descrença na democracia.
Lula, portanto, não está sendo perseguido pelos seus erros, que de fato existem, mas pelo o que ele representa. É a força histórica de um país desigual que divide o Brasil, que gera essas tensões. Não um senhor de 70 anos. Perceber a lava-jato, nesse momento, como uma disputa entre PSDB e PT é olhar apenas para a espuma da arrebentação.
A tarefa da esquerda é valorizar a força transformadora da política. É lutar contra as generalizações.
Sim, a imagem do Lula divide o Brasil, mas não se faz política sem conflito. Como diria Foucault: a política é a guerra por outros meios.
Eduardo Migowski(Meu professor de História -Facebook)

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